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Medicina de Emergência24 outubro 2022

Troponina: saiba usar e não deixe furos no plantão

A troponina é uma proteína presente no miócito que participa fisiologicamente na contratilidade cardíaca. Saiba como usar!

Por Isabela Abud Manta

A troponina é uma proteína presente no miócito que participa fisiologicamente na contratilidade cardíaca e é classificada em três tipos: C, T e I. Durante a contração miocárdica, há uma sequência de eventos: o cálcio se liga à unidade C da troponina → há mudança na configuração anatômica das proteínas → deslocamento do complexo tropomiosina-troponina → interação actina/miosina → contração (encurtamento) do miócito. 

A troponina T é estrutural, ligando o complexo das três troponinas com a tropomiosina e a actina. A troponina I é auxiliar à troponina C na interação com o cálcio e a ATPase. Clinicamente, denominamos tudo “troponina” (ou do inglês, “cardiac-troponin”, cTn). 

Leia também: Troponina e mortalidade no pós-operatório de cirurgia cardíaca

ECG com estetoscopio

Uso clínico da troponina 

Durante muitos anos, a CK foi a principal enzima explorada no diagnóstico de IAM. A fração MB e a MB-massa são o grande exemplo de uso clínico e a mioglobina tinha a vantagem de ser a primeira a se elevar, porém é a menos específica de lesão cardíaca. 

Assim, esses exames apresentam uma acurácia que está longe do ideal. A troponina surgiu então como um marcador de lesão miocárdica mais sensível (detecta lesões menores) e mais específico (é “quase exclusivo” de lesão miocárdica). O problema é que as técnicas laboratoriais de dosagem foram se aprimorando tanto que hoje somos capazes de detectar níveis mínimos, o que pode gerar alguma confusão. Isso porque, ao contrário dos ensinamentos iniciais, a elevação de troponina não é exclusiva da lesão miocárdica isquêmica, mas sim de qualquer lesão miocárdica, incluindo doenças não isquêmicas e não ateroscleróticas. Por isso, dois conceitos importantes são:  

– A troponina é altamente específica de lesão miocárdica, podemos abandonar CK, mioglobina e outros. Inclusive essa é a recomendação das diretrizes mais atuais: na disponibilidade de dosagem de troponina não devemos solicitar outros marcadores. Há apenas uma exceção: o reinfarto. Como a meia vida da troponina é longa (7 a 14 dias), um paciente com dor recorrente pode permanecer com a troponina elevada e você não saberá se é um novo IAM ou apenas a troponina relacionada a injúria inicial. A solução nesses casos é usar a CK-MB ou a CK-Massa. 

– A lesão miocárdica pode não ser isquêmica/aterosclerótica. 

Tabela 1: conheça as causas não coronarianas/isquêmicas de elevação da troponina 

Prinzmetal* Contusão miocárdica Maratona 
Takotsubo* Sepse Grande queimado 
Insuficiência cardíaca DRC em diálise Miocardite* 
Embolia pulmonar AVC  Anticorpos heterofilos (“erro laboratorial”) 
Drogas cardiotóxicas Grandes cirurgias Desfibrilação e cardioversão 

*Podem causar grande elevação na troponina similar a um IAM. 

Leia também: Iniciar DOACs precoce ou tardiamente em um paciente após AVC isquêmico?

Valores de troponina 

Há diversas técnicas laboratoriais para dosagem, mas a maioria se baseia na utilização de anticorpos marcados que detectam a troponina T ou I no soro. Clinicamente, não há diferença relevante entre os métodos ou o tipo de troponina dosada, mas o valor de referência e, principalmente, o limiar de detecção variam. Portanto, devemos ficar atentos aos valores recomendados pelo laboratório que realizou o exame. 

E o que é a “Troponina Ultra-Sensível” (TropoUS)? Nada mais que uma nova técnica que detecta quantidades ainda menores de troponina no plasma. Por isso, é capaz de mostrar lesão miocárdica mais precocemente, em menos de três horas.  

Como nada é completamente perfeito, aumentar a sensibilidade afeta a especificidade, ou seja, detectar níveis muito baixos de troponina (que tem a vantagem de poder representar lesões muito pequenas) aumenta a chance de detectar elevação de troponina por outras causas, não necessariamente coronarianas.  

Uma dúvida frequente é se há correlação entre a troponina e o tamanho do IAM. Primeiramente, estudos epidemiológicos mostram correlação positiva, mas não linear, com pior prognóstico. Isto é, quanto mais elevada a troponina, maior a chance de eventos adversos cardiovasculares. A relação com o tamanho do IAM ainda é uma área em estudos, mas parede que o melhor é avaliar a área sob a curva (AUC): áreas maiores em 72-96h (e não no primeiro dia) estão mais correlacionadas com o tamanho do IAM. 

Cenários práticos para uso 

1) Paciente com dor precordial que melhora com tratamento inicial e o ECG é normal.  

Dosagem de TropoUS negativa em 0 e 3 horas consegue descartar um evento de alto risco e o paciente pode continuar o tratamento ambulatorialmente. Importante: não se exclui doença coronariana, mas sim alto risco de morte, permitindo manter o tratamento oral e a realização de exames ambulatorialmente, de forma precoce. Alguns kits de tropoUS já são validados para serem coletados em 0 e 1 hora ou 0 e 2 horas, o que diminui ainda mais o tempo no pronto socorro.  

2) Troponina positiva em contexto fora da síndrome coronariana aguda, como sepse, pós-operatório, IC.  

É necessário curvar a troponina. Uma lesão isquêmica apresentará elevação, pico e redução, ao passo que nas demais causas o valor flutua mais ou menos igual, em platô. A realização dessa curva é uma das ferramentas práticas mais importantes e a melhor evidência atual sugere que variações acima de 20% nos valores são indicativas de IAM/DAC. 

Exemplo prático: 

Cenário Tropo 0h 3h 6h 12h 
A 0,10 0,11 0,09 0,10 
B 0,10 0,15 0,17 0,11 

 

– No cenário A, não há curva e as variações são inferiores a 20%. Logo, devemos pensar em causas não coronarianas para o aumento da troponina. 

– No cenário B, há uma curva (aumento → pico → queda). Com isso, a causa mais provável é de fato um IAM. 

Ainda, alguns estudos mais recentes sugerem que podemos utilizar apenas uma dosagem de tropoUS para excluir IAM, principalmente quando associado a eletrocardiograma não isquêmico. O corte varia nos estudos, sendo a maior parte deles com valores de 5 ou 6 ng/L e essa prática pode reduzir ainda mais o tempo que o paciente passa no serviço de emergência e o custo para o sistema de saúde. 

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Referências bibliográficas

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